ando numa fase de achar que as minhas avós estão sempre a morrer. uma tem oitenta e nove, a outra oitenta e sete. uma - a de oitenta e nove - diz-me que vai morrer desde que tem setenta. a outra - de oitenta e sete - parece que está sempre a morrer tal é a quantidade de chamadas seguidas que tenho no telefone quando era só para saber se está tudo bem. entretanto a minha avó que diz que vai morrer:
- joana, os meus documentos estão todos aqui nesta caixa, está bem?
- ok, avó. mas porquê essa conversa agora?
- ah, sabe-se lá quando é que posso morrer... assim já sabem onde está tudo.
é isto há quase vinte anos. agora é que reparei. a minha avó diz que vai morrer há vinte anos. e cá está. rija e a caminho dos noventa. bom, mas isto para dizer que com oitenta e muitos cada uma, já começo a pensar que qualquer dia dá-se-lhes uma coisinha e deixam de respirar. e por isso tento atender sempre o telefone. tenho atendido. qualquer que seja a hora. menos no outro dia. nove da noite liga-me a minha avó da mãe - a dos oitenta e nove. vi. não atendi. não estava com paciência. porque de certeza que não era nada demais. liguei passado um bocado com peso na consciência. estava a sentir-se mal e por isso é que estava a ligar. e eu, sem paciência porque não era nada demais, não atendi. fiquei a sentir-me uma neta que devia ser deserdada. e nunca mais me deviam deixar sentar à mesa nos almoços de domingo. pronto, passou. na verdade, não era nada demais. e fiquei mais descansada. a partir desse dia é que passei mesmo a atender tudo. e agora sim, a qualquer hora. no outro dia, a mesma avó, liga-me às onze da noite. a minha avó nunca liga às onze da noite. e eu a pensar, ai que caraças. tu queres ver?
- tou? então, que se passa? está tudo bem?
- tá! joana! a tua irmã está em casa?
- não, mas está tudo bem?
- sim, está. era só para saber. vá beijinhos.
epa. desisto. não sei que faça. se não atendo estão a morrer se atendo não é nada demais. mais vale atender. e se não for nada sempre falamos um bocadinho e sempre tenho a certeza de que não estão a morrer. isto é síndrome de avó/neto, não é?
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