quarta-feira, 27 de julho de 2022

estamos a falhar enquanto humanos

vou aproveitar a morte da minha avó e da minha gata para fazer uma reflexão, a meu ver, interessante. talvez algo confusa. ou talvez utópica. vamos lá. a minha avó morreu há um mês e picos. a minha gata morreu ontem. ambas as mortes distintas, claro. tanto na forma como na dor. são também formas distintas de amar, mas ambas altamente intensas. antes de avançarmos gostava só de pedir que se alguém estiver a fazer macumba parem agora, se faz favor. dêem-me um bocadinho mais de tempo até à próxima morte. um mês e picos está a parecer-me pouco. mas gosto de ver o copo meio cheio. antes sofrer no verão do que no inverno. pode fazer sentido ou não, mas está a dar-me jeito pensar assim para acalmar a minha alma agitada e/ou dormente (estou na dúvida) - mas podia ser bem pior. pode sempre ser pior. ora bem. já estão a chorar? é que eu já. entre a morte da minha avó e a da chica há um pequeno detalhe (enorme, gigante) que as distingue. a minha avó morreu, a meu ver, tarde demais. com sofrimento altamente desnecessário. tanto para ela como para nós. com a minha gata tive a felicidade (neste momento ainda só a consigo sentir na teoria) de escolher o melhor momento para a deixar ir. foi uma decisão muito dura, mas no final sei (por enquanto ainda na teoria) que foi o melhor. quem não tem animais de estimação provavelmente não está a perceber nada desta conversa. mas pode ser que sirva para terem noção de que dói tanto quanto a perda de um elemento humano com quem tenhamos uma relação próxima. e não estou a exagerar, prometo. porque no final são laços afetivos que criamos. consigo distinguir as coisas (como é óbvio), mas os sentimentos, na sua generalidade, são pouco ou nada racionais. mas vamos à questão que me trouxe aqui hoje. a verdade é que acho que estamos a falhar enquanto humanos. e acredito muito nisto. enquanto seres pensantes e conscientes, devemos ter a capacidade de prever variados acontecimentos de forma a conseguirmos agir ou reagir da melhor forma possível. desde a meteorologia - se é dia de chanatos ou botas -, ao amigo que chega sempre atrasado e que já sabemos o que a casa gasta. também conseguimos prever que vamos ter de apresentar um projeto importante e temos que nos preparar. com a morte não é assim. também sabemos que vai acontecer. é, aliás, a única certeza que temos - o resto são falsas certezas e muitas dúvidas. e ainda assim não sabemos lidar com ela. ou achamos que sabemos? ou até sabemos mas dói muito? tenho mais dúvidas que certezas. estou lentamente em alta rotação. porque achava que sabia lidar com a morte - gosto de a encarar com naturalidade necessária. continuo a achar que sei lidar. mas custa-me. e não devia custar. porque a vida é mesmo assim. e morrer faz parte de estar vivo. e eu já sei disso. eu, tu. todos nós sabemos. foco-me nas memórias. agora baralhadas. porque passei a ter duas frentes para me virar e não estava preparada para isso. ou será que estava? talvez estivesse. deveria estar. porque mais cedo ou mais tarde iria acontecer. talvez nos foquemos sempre no mais tarde, daí que quando chegue (sempre cedo demais) achamos que estamos preparados sem estar. queremos sempre que seja mais tarde (com qualidade, atenção) em vez de mais cedo. talvez seja aí que estamos a falhar. no meio de tudo isto o problema mantém-se: a única certeza que temos é que qualquer dia chega a nossa vez (mais tarde ou mais cedo - antes mais tarde que mais cedo, ainda assim não controlamos). e quem cá ficar vai continuar a errar. porque não vão saber lidar. porque vai ser sempre cedo demais. porque vai doer e vai ser dificil. no final, talvez nunca sejamos capazes de estar preparados para lidar com a morte quando ela acontece. mesmo quando achamos que estamos. porque vamos achar que estamos. mas não estamos. porque somos incapazes de o fazer. 

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