terça-feira, 22 de setembro de 2020

podia ter sido patrocinado pela veet

na altura do confinamento nem tudo foi mau. aliás, foi quase tudo mau, à exceção de um ou outro ponto – para já só me lembro de um, ainda assim bastante relevante. no confinamento não via ninguém, não saía à rua. andava de leggings o dia todo e não ter de usar sutiã todos os dias fez-me quase entender as mentes livres que encontram malefícios na utilização daquilo que impede as nossas mamas de irem até aos joelhos. não que as minhas vão até aos joelhos, mas também não vamos por aí. o melhor do confinamento foi a não necessidade de fazer o buço, as sobrancelhas e arranjar as unhas – das mãos e dos pés. deixei de ter buço e passei a ter bigodaça covid. as sobrancelhas estavam ao nível daquele tio avô já meio velho com pêlos farfalhudos a apontar para todos os pontos da rosa dos ventos, sabem? as unhas dos pés encaracolavam e as das mãos davam para caçar a sujidade quase até aos intestinos - seja qual for o orifício de entrada, de nada. esta conversa toda para dizer que neste momento sinto que estou em modo confinamento sem estar – porque entretanto já podemos circular livremente e isso inclui ir ao escritório. e a chatice é que já se começa a notar uma bigodaça covid, os pés já fazem ferida nos dedos ao andar e as unhas das mãos já vão mais longe do que deviam. mas atenção. a bigodaça covid disfarça porque ando sempre de máscara. agora o que precisava mesmo era de uns óculos tipo mergulho para tapar as sobrancelhas e umas luvas de neve para tapar as garras. alguém me arranja um kit destes ou vou ter mesmo de fazer o buço, sobrancelhas e unhas? é que não me apetece nada. meninas, não se façam de difíceis. eu sei que vocês estão comigo. atenção que só falei em buço, sobrancelhas e unhas. muita atenção. vá, beijinhos. 

sábado, 12 de setembro de 2020

venha a cidadania

o tema que se segue poderá ferir suscetibilidades dos mais emocionalmente frágeis. isso, continuem a ler. depois não digam que não avisei. vamos a isto. tive uma educação que me permitiu perceber que existem vários tipos de pessoas e formas de estar. sejam elas ricas ou pobres. andei na escola pública e na privada. e há claramente diferenças entre quem as frequenta. na escola pública há, maioritariamente, alunos de classe média e média baixa. traduzindo por miúdos - há os normais e os arruaceiros. os normais (era o meu caso) ou são assaltados todos os intervalos, ou juntam-se aos arruaceiros e iniciam a sua carreira de teatro ao mesmo tempo que começam a pôr em prática a lei de darwin. comecei a perceber que se começasse a ser amiga dos arruaceiros para além de não ser assaltada, era protegida por eles. nos intervalos em vez de ser assaltada era presenteada com o últimos modelos nokia roubados pela matilha. na escola pública, os malcriados são os arruaceiros. na privada o cenário é diferente. na privada temos a classe média e a média alta. traduzindo por miúdos, os normais e os betos com mania. incluo-me novamente no grupo dos normais. os betos com mania não assaltam os meninos do colégio nos intervalos, mas facilmente são tão ou mais malcriados que os arruaceiros da escola pública. os estilos de vida são em tudo diferentes, no entanto em comum têm a falta de noção de muitos aspetos importantes na vida, nomeadamente saber estar. na escola pública vi colegas a serem obrigados a ir para a escola com a polícia da escola segura a tocar-lhes à porta. por outro lado, no colégio vi faltas de educação dos meninos ricos que preferia não ter visto. venha a disciplina de cidadania e venha quem a saiba dar. o mundo precisa e eu também. que a falta de educação deixa-me bastante nervosa. e a isto ainda juntava mais uma medida (preparem-se para o choque, migas) - só devia poder ter filhos quem passasse por uma entrevista e teste de aptidão. assim como que um curso intensivo de três semaninhas. imaginem, candidatavam-se quinhentas pessoas. quanto é que apostam que só passavam dez? eu cá sei de muitos que mais valia terem estado quietinhos. chegaste até aqui sem qualquer dano emocional? parabéns, estás quase apto para ser pai ou mãe. ou ambos - que eu sou inclusiva. beijinhos. 

terça-feira, 8 de setembro de 2020

paul walker das ambulâncias

já alguma vez experimentaram quase morrer abalroados por uma ambulância? pois. eu também não até ao domingo passado. e preferia ter continuado assim. tal foi o choque que só hoje me sinto em condições de deitar cá para fora. estava o trânsito parado numa rotunda. e eu estava parada no meio de uma entrada. eis senão quando vejo uma ambulância em marcha de urgência a alta velocidade - como se não estivesse trânsito nenhum - a enfiar-se quase no meu carro. nota: era de noite, por isso as luzes intensificam-se. e o pânico também. eram luzes azúis a fazerem-me epilepsia. o tinoni a furar-me os tímpanos. e os máximos a deixarem-me o batimento cardíaco intermitente. achei que ia morrer. e o gajo da ambulância em vez de ter uma urgência passava a ter duas. como no café, quando pedes um mas afinal são dois, sabem? o empregado a gritar: oh jorge, pass'á dois! eu pagava para ter visto a minha cara de terror. é que gritei e tudo. aquele grito histérico pré-morte trágica, sabem? não tive reação e fiquei parada à espera de morrer. até que passado um segundo percebi que o senhor velocidade furiosa tinha parado - praí a cinco centímetros de mim (estou a exagerar, mas ao mesmo tempo acho que cinco centímetros é justo para o susto que apanhei) - e fiz marcha atrás com as pernas meio dormentes e ainda a levar com as luzes azúis. e o tinoni. e os máximos. estes gajos das ambulâncias armam-se em campeões da estrada. era ele ter-me levado à frente que a urgência dele passava logo a ser outra. palhaço. ia buscar quem? um velho de cento e dez anos em paragem cardíaca? calma, é humor. não é não. uma paragem cardíaca aos cem anos é um pedido biológico de clemência. deixem-nos ir. beijinhos, vá.    

sábado, 5 de setembro de 2020

o covid é positivo

título giro ou não? meio misterioso. será que ela tem covid? será que não? fica meio no ar. porque tal como qualquer pessoa que não foi testada, posso ter ou não. é tipo o jogo da roleta russa. vamos lá ao que importa. a verdade é que nem tudo é mau nesta era covid. todo o distanciamento que muitos de nós ansiávamos hoje é recomendado pelas autoridades máximas da saúde no mundo inteiro. quem é que alguma vez achou que isto ia acontecer? no fundo é o sonho de muitos tornado realidade. distanciamento nas filas. distanciamento nos restaurantes. distanciamento na praia. no fundo, o ar continua a ser de todos. mas agora dá para respirar sem ter de levar com o cheiro a falta de banho das pessoas alheias. sabem aquela bolha do actimel? é isso mesmo. como dizia em miúda, a bolha do elcázei imunitáce. não sei o que quer dizer. sei que não é assim que se diz. mantenho-me ignorante, porque no fundo gosto de dizer elcázei imunitáce. hoje vivemos na bolha do actimel, e não é porque bebemos actimel. ora bem. o covid trouxe outra coisa boa. veio acabar com um dos maiores flagelos da humanidade - as conversas de elevador. hoje os elevadores estão limitados a pessoas do mesmo grupo. ou no caso de serem apenas conhecidos vai uma pessoazinha de cada vez. que felicidade tão grande. já não precisamos de falar do tempo - do próprio dia e da semana que vem, se fores até ao quarto andar. já não é preciso perguntar como está a família e como foram as férias quando na verdade não queres saber. já podes espremer borbulhas no elevador à vontade. ver em que estado está o buço, as sobrancelhas. e tantas outras coisas que deixo à vossa consideração. com algum receio, mas deixo. mais coisas boas do covid. dar beijinhos à entrada e à saída - espero que essa brincadeira acabe mesmo depois do covid, se é que existe um pós-covid. limpeza nos restaurantes, hotéis. não mexer nos pães todos do supermercado para depois acabar por escolher o primeiro saco apalpado. por outro lado, já chega de dizer bem do covid. quero abraçar as minhas avós sem medo que morram de covid por causa disso. acabou de maneira trágica, que chatice. não era nada isto que queria. mas no fundo, o covid é assim mesmo - meio agridoce, não é? beijinhos. 

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

gordura não é formosura

agora anda-se com uma mania que não se pode gozar com gordos. vamos lá a ter calma. posso fazer humor com cancro, com velhos em fim de vida, com mancos, mas com gordos é que não? coitados. podem andar a tomar medicação. foram vítimas de bullying. com gordos não se brinca. poupem-me. não há coisa mais prazerosa que ver um gordalhão enfardar - com satisfação e um brilho especial nos olhos - um big mac grande com batatas e um mc flury de kit kat. para entrada. não posso rir com isto? querem que chore? que tenha pena? epa, fechem a boca e emborquem antes uma salada. ou um bife de frango com arroz. sem ketchup e maionese. se é difícil? opa é. comer é bom demais. mas como em tudo na vida há que haver limites e autocontrolo. se não me importava de comer big macs todos os dias? importava. que nojo. apetece-me vomitar só de pensar. não sei como é que os gordos conseguem comer tanta merda e não gregar de enjoados. depois andam com as pernas coladas até aos joelhos e não percebem porquê. fogo, só de pensar que às vezes suo do bigode para entrar em algumas calças imagino estes gordalhões. só vestirem-se já conta como workout intenso. e como já fizeram exercício já podem ir comer mais big macs. no pain, no gain.

terça-feira, 1 de setembro de 2020

sou uma alma velha e gosto

ao longo da vida vamos percebendo que existem formas de a tornar um pouco mais confortável. e gostamos disso. em adultos, a vida começa a custar demasiado para ainda termos de sofrer com coisas desnecessárias. a verdade é essa. se és um adolescente inconsciente não comeces já a estrebuchar, porque um dia vais dar-me razão – eu sei que é uma chatice ouvir isto, mas é verdade. pia fininho se fazes favor que a vida aguarda-te. se já estás nesta fase – alma de senhora idosa em fim de vida –, seguimos fortes. ora então, eis algumas regalias que começamos a exigir. deixamos de ter vontade de dormir em tendas. preferimos dormir numa camita. deixamos de ter pachorra para os amontoados nos concertos e preferimos pagar mais por um lugar mais confortável. e agora vou dizer-vos o que descobri este verão. estão preparados? é que eu não estava. ora bem. cá vai. levar cadeira para a praia. já disse. sinto que envelheci quarenta anos, já meio cansada da vida. mas sinto-me bem com isso. porque eu já descobri que levar cadeira para a praia é a melhor cena de sempre e vocês ainda não. é que depois de fazer isto uma vez deixei de ter vontade de deitar este corpinho de sereia na areia. para além de ter vista para o que eu quiser – mar, pessoas gordas a comer bolas de berlim (dá-me especial satisfação), famílias disfuncionais, crianças a acharem que a vida é linda demais, corpos bonitos (nos rapazes para galar, nas raparigas para invejar) – não sofro com dores nos pulsos e nos ombros. sinto que ao utilizar a palavra “galar” envelheci mais dez anos. acabo este texto com setenta e seis anos. achei que fosse pior. a gestão de expectativas também se aprende com a idade. agora envelheci mais cinco. já vou nos oitenta e um. e é melhor ficar por aqui que não estou preparada para um número maior. beijinhos.