domingo, 5 de maio de 2024

japoni, japoni

finalmente sento-me a escrever. acontece hoje o dia cinco de maio, que não é mais do que um dia no calendário do ano que passa – vinte e quatro. tenho andado com a cabeça à roda e quando assim é faltam-se-me as palavras. à minha frente vejo o meu reflexo na televisão desligada e os meus cães refastelados nas suas camas, como se a vida lhes fosse uma canseira. no chão estão caixas de pizza que encomendei para o almoço e não acabei porque fiquei enjoada. lá fora o dia está cinzento e chove. faz hoje três dias que cheguei da minha viagem do japão. fui-me embora sozinha que é o que mais gosto de fazer. chegar a um sítio novo onde não conheço nada nem ninguém, preferencialmente sem perceber a língua, dá-me uma sensação de liberdade que me é fácil sentir e complicada de pôr em palavras. o japão é um sítio onde há muito queria ir sozinha. sem qualquer misticismo em jogo. queria ir sozinha porque queria viajar sozinha para longe, para um lugar o menos parecido possível com o que tenho diariamente. e pôr-me à prova. o jogo da observação torna-se viciante e facilmente é trocado pelas atrações escritas nas páginas do google. gosto de comer, de andar. de me perder. e de me sentir confiante no meio do caos. gosto de conhecer pessoas, de lhes saber a história. conheço mais do que me dou a conhecer. faço muitas perguntas e sou péssima a responder às que me fazem a mim. esta viagem, felizmente mais no final, foi particularmente difícil por duas razões: corri sozinha para as urgências do hospital de osaka e recebi a notícia da morte da minha avó. a ida ao hospital foi por causa de uma amigdalite repentina, como de resto acontece com as amigdalites. estou sozinha a chorar desesperada com dores a falar com a rececionista do hospital que percebe menos de inglês que os meus cães. sacamos do tradutor e falamos através de tecnologia. o que podia ter sido dito em cinco minutos prolongou-se até uns longos e sofridos trinta minutos. no final deste desespero sou vista por um médico otorrino. nunca aconteceu ser vista nas urgências por um otorrino em portugal. serviço nacional de saúde japão já vai em um, zero. era domingo, e talvez por isso não houvesse ninguém no hospital. mas a verdade é que fui chamada em menos de cinco minutos – não estou a exagerar. dois, zero? talvez. o médico arranhava qualquer coisa de inglês e eu tentava dizer-lhe que não era a primeira vez que tinha amigdalites e que precisava de penicilina. diagnóstico feito. claro que sim, penicilina na veia para a senhora. as camas do hospital, tal como todos os móveis no japão, são quase a rasar o chão. e lá fui eu deitar-me no menos um. no meio do choro e das dores, já a saber que me iam dar penicilina, ria-me com a dificuldade de comunicar. volto para o hostel, onde prolongo a estadia e fico em cativeiro dois dias. porque comidas nem pensar, tenho a garganta quase fechada. e o corpo e a alma não se aguentam de pé. continuo sozinha e o meu apoio é o rapaz da receção. pergunta-me como estou e a chorar respondo-lhe que nada bem. habitualmente já sou uma péssima doente, imaginem o pranto que não foi estando sozinha e longe do calor da família e amigos. no dia seguinte acordo desfeita, parece que nada faz efeito e ligo para casa. estou desesperada. não quero ir de novo ao hospital. no meio deste caos recebo a notícia que não queria: a avó morreu. na altura não consegui dar grande importância, estava já a sofrer com dores e acho que não percebi bem até me passarem as dores. o meu cérebro precisava de se focar numa coisa de cada vez. quando comecei a ficar melhor da amigdalite comecei a processar a minha avó. e estar longe não foi fácil. já todos esperávamos por esta notícia, mas não contava estar sozinha no japão. e de facto, baralhou-me a cabeça. por um lado extasiada de contente por estar a fazer a viagem que quero, por outro, de repente estou a fazer o luto da minha avó. dentro do caos a vida corre-me bem. mas calma com o caos, sou forte, mas não sou de ferro. o lado positivo é que já não tenho mais avós para morrer. continuo extasiada de contente com a viagem ao japão, ainda que em processo de luto. agora toca a focar que amanhã já se trabalha. e eu trabalho para sentir. beijinhos de casa. 

Sem comentários:

Enviar um comentário