segunda-feira, 30 de novembro de 2020

esta é a única certeza que tenho

perder pessoas nunca é bom. dizer bom parece redutor. no fundo, é uma merda. não devia ser assim. gosto de falar do tema da morte sem medo, sem receio e sem tabu. porque acredito que encarar a morte de forma leve, com naturalidade, ajuda-me a ter alguma paz interior ainda que doa. muito. todos morremos um dia. é a única certeza que temos - ninguém escapa. resta-nos fazer do tempo que cá estamos algo bom, inesquecível, marcante. já acreditava nisto antes, mas agora ainda mais. perdi um amigo. um amigo recente - com quem passei menos tempo do que gostaria. porque antes havia tempo. e agora já não há. esgotou-se. acabou. ele é - digo-o no presente - das pessoas mais bondosas que conheci. e o que me deixa mais feliz é o facto de saber que soube viver enquanto cá esteve. tudo estava bem. sempre de sorriso na cara. carregava consigo energias positivas que contagiavam mesmo os mais carrancudos. era impossível não estar bem disposto com ele por perto. voltando lá atrás. já acreditava antes, mas agora acredito ainda mais que temos de saber viver a vida menos a sério. mais a brincar. mais leve. como ele fez. a verdade é que isto dura pouco. desta vez foi ele. amanhã posso ser eu. ou tu que estás a ler. não quero parecer dramática, mas sim pragmática. não vale a pena discutir por coisas sem sentido. não vale a pena ficar chateado com coisas de nada. não venho com balelas de que temos que dizer mais vezes amo-te e adoro-te. isso para mim são tretas que muitas pessoas dizem desprovidas de sentimento. mas cuidem uns dos outros. digam mais vezes bom dia a quem passa por vocês. mostrem mais vezes os vossos sorrisos. sejam portadores de energias positivas. é bom guardar quem vai na memória, nas fotografias e nos sonhos. mas é bem melhor quando cá estão. vivam e deixem viver. estamos cá pouco tempo. e esta é a única certeza que temos. 

terça-feira, 24 de novembro de 2020

dói muito

chegar ao final do ano e perceber que só viajei em outubro para o país basco (e que não há perspetivas para a próxima viagem) deixa-me com sensações mistas. por um lado adorei - tipo, adorei, migas - e soube muito bem entrar num avião e ver sítios e pessoas diferentes. por outro, sinto-me meio em cativeiro que nem uma fiona (de dia) fechada na torre. porque há muitos anos que não viajava tão pouco num ano inteiro. no outro dia estive a ver fotografias e a recordar tempos bonitos e já teria ido a marrocos, barcelona, valência, marbella, índia, vietnam, cambodja, tailândia. e chega porque o porto não vale. e o alentejo também não. sim, sei que vocês também não têm viajado. e que isto são problemas de primeiro mundo, mas a verdade é que no primeiro mundo também existem problemas, nem tudo é rosas. ah, pois não. cada um com as suas dores. e esta dói-me particularmente com alguma intensidade. agora, talvez também seja uma forma de me preparar para os próximos anos. porque já que agora pago uma casa e vou ficar pobre, talvez o mais longe que consiga ir é até à margem sul e já meio apertada porque pago portagem. lol, brincadeirinha. qualquer coisa deixo a cadela e a gata presas a um poste no meio da autoestrada - pode ser na A5 que até dá jeito e assim resgatam-nas rapidamente, já que lá passam tantas pessoas certamente com bom coração - e assim volto a recuperar fundos para viajar. a chica nem fará tanta diferença, mas com a redução de custos da pêpa vou para a miami em primeira classe. ida e volta. durmo no melhor hotel de miami beach. e faço todas as refeições em restaurantes com pelo menos uma estrela michelin. no fundo, só me falta dar a pêpa para adoção para ser totalmente feliz. alguém lhe pega ou tenho mesmo que a deixar na autoestrada sentido lisboa/cascais?  

domingo, 15 de novembro de 2020

a minha aldeia no meio de lisboa

se há dois anos não me sentia preparada para enfrentar o mundo sozinha - ler o texto aqui - hoje o cenário mudou. depois de dias a fio a ir ao idealista de manhã, à tarde e à noite encontrei a casa que parece ter sido feita à minha medida. quando pensava em sair de casa sabia que tinha de ser assim. não sairia para uma casa normal, sem vida e sem graça, no meio de tantas outras. até porque estava bem onde estava. mas queria dar o salto e o timing não podia ter sido melhor. vim para uma zona totalmente diferente da zona em que estava. onde estou agora há um sentimento de pertença e entreajuda que não havia no condomínio onde estava - eu e mais duzentas pessoas. sendo que não conhecia metade. e um terço não respondia ao meu bom dia. onde estou agora estão pessoas que vivem aqui há quarenta anos. é a aldeia deles. e eu sou a caçula. não têm casas de luxo nem carros de luxo. mas têm o luxo de saber quem é o vizinho do lado que não serve só quando faltam ovos para fazer um bolo. aqui não receber resposta ao bom dia não é sequer opção. tenho aqui a minha nova rede de guarda-costas. mudei-me há dois dias e já me fazem sentir em casa. isto já não é mais a aldeia deles. agora é a nossa aldeia no meio de lisboa. 

domingo, 8 de novembro de 2020

o meu funeral

se não estás preparado para esta conversa arranca. que aqui vamos falar de morte. da minha em concreto, que com a dos outros posso eu bem. os funerais em portugal são uma atividade muito pouco prazerosa e dinâmica. as salas de velório são tristes e vazias - paredes brancas, bancos castanhos de madeira muito pouco confortáveis e deus nosso senhor pregado na cruz lá no alto. os crematórios parecem fábricas de matança de porcos - paredes e portas brancas, salas de cremação e gritos por todo o lado, não dos porcos mas de pessoas desesperadas em choro compulsivo. calma lá, minha gente. respeitem-me e não me façam estes filmes, se faz favor. vamos lá começar a descrever o evento que será o meu funeral. deixo-vos as ideias depois é só pegar e operacionalizar a coisa. comecemos pela roupa. vistam-me umas leggings e uma camisola daquelas largas. quanto aos sapatos, ponham-me umas meias, se faz favor - que quando for para ir definitivamente quero ir confortável. os sapatos apertam muito e cortam a circulação. e ninguém quer cortar a circulação dos pés a um morto. sobre o cabelo deixo à vossa consideração. se vos fizer feliz podem fazer um penteado em formato de ananás. ou cestinho como fazem os bartolos nos casamentos. ainda se riem um bocado e tiram fotos para porem no vosso ecrã bloqueado do iphone. ou podem deixá-lo só livre leve e solto. não quero maquilhagem na cara, mas quero as unhas arranjadas. o meu problema em vida é que as unhas não param de crescer e manter as unhas arranjadas constantemente sai caro e é uma chatice. portanto, ponham-me um gelinho de uma cor neutra - pode ser um cinza, um castanho claro, ou até um branco leitoso. vamos às mãos. não as quero cruzadas em modo de morto. quero a mão direita levantada a fazer um pirete. prendam com cordas, talas, façam o que quiserem. e a esquerda pode ficar serena sobre a minha barriga. os olhos fechadinhos que ninguém quer ter pesadelos. mas boca a sorrir que os meus dentes são bonitos e não se estragam logo quando ainda estou fresquinha acabada de morrer. vamos ao cenário em volta. não quero ir para a igreja. aluguem um hotel ou um airbnb com vista sobre lisboa e deitem-me numa camita. ou no sofá se for confortável. só entra quem eu disser. deixarei uma guest list com os nomes prioritários. os restantes deixem uma mensagem no facebook que eu juro ir lá dar um olhinho logo que possível. é a andar que eu quero estar com os meus. não basta estar morta e ainda tenho que levar com merdas. nem pensar. arranquem. voltando aos meus - os que estarão na guest list. podem chorar um bocadinho, mas não muito. no fundo entendo a tristeza. mas não a quero. quando chegar a vez do discurso joguem aquele jogo das palavras. cada um diz uma palavra e no final logo se vê o que sai. provavelmente merda, mas essa é a magia. no dia do meu funeral fumem, bebam, dancem, riam. no fundo, quero uma coisa simples. e muita atenção, tudo isto é válido se morrer nova ou velha. mesmo com noventa anos quero as leggings, as meias, as unhas arranjadas e o pirete na mão direita. e se faz favor, não me levem para a igreja. caramba. não me levem para a merda da igreja. não queiram que apanhe uma depressão depois de morta. ficou tudo anotado? vá, beijinhos.