sexta-feira, 1 de março de 2024

supermercados a fechar

a minha avó gostava muito de ir ao supermercado e sem querer sigo-lhe as pisadas. gosto de ir ao supermercado, principalmente fora da hora de ponta. gosto do silêncio do supermercado na última hora antes de fechar. oiço a música de fundo e canto-a baixinho enquanto escolho frutas e legumes. olho em volta e estão pessoas sozinhas entre os trinta e os cinquenta. não há famílias nem pessoas sénior. nem miúdos a comprar gomas depois da escola. não se avistam carrinhos. só cestos ou mesmo as próprias mãos. às oito da noite com frio e chuva não se fazem as compras da semana. o ambiente é calmo. os clientes passeiam-se entre os corredores e os repositores trabalham sem pressa. não há filas na caixa. muito menos se ouvem enxurradas desenfreadas de bip, bip. fico muito tempo no corredor dos sabores do mundo. gosto de olhar para tudo e pensar que no que posso cozinhar com cada uma das coisas que se me aparece à frente: leite de côco, teriyaki, noodles, caris vários, gengibre, pasta de gengibre, folha de caril. vou aqui, ali. volto atrás. lembro-me do aipo e fico mais uma temporada nos legumes. olho para todos e não se me ocorre nada. aliás, ocorre que vou estar fora e não vale a pena gastar dinheiro para os deixar estragar. sigo em frente e chego às carnes – bom bom era fazer um prego. e aí vou eu, de corredor em corredor a magicar receitas enquanto continuo a cantar aquilo que calha ouvir. troco algumas, poucas, interações com pessoas que nunca vi. e talvez as volte a ver, mas não me lembrarei delas. laivos de sorrisos educados no supermercado a fechar sabem-me melhor do que alguma vez pensei. estou a chegar aos trinta e cada vez mais gosto do silêncio. olá, boa noite. sim, um saco, por favor.