boa noite. podem ir buscar a manta e pipocas. a
história que se segue é verídica e contém palavras que poderão ferir a
suscetibilidade dos mais coninhas. ahhhh, ups. vou contar-vos a epopeia que foi
vender o meu carro - para além das lágrimas que teimam em não parar de me cair
pelas bochechas abaixo. atenção que agora vamos entrar em modo rápido. um,
dois, três. anúncio no standvirtual. bué contactos. contactos de stands. nem um
particular. aceita trocar por um pacote de amendoins descascados? não. aceita trocar
por um carro sem pneus, volante e vidros à manivela? não. não, não, não. vão
todos com o caralho. o meu carro vale muito. e se lhe puser valor emocional
vale bué milhões. outro contacto. pede-me o carro em troca de um caniche
deficiente. foda-se, não. próximo. ok, este não tá a gozar comigo. negoceio
valor. ficamos a meio caminho. fechamos proposta. e aqui voltamos a desacelerar
o ritmo. pausa para respirar. porque isto vai ser intenso. no dia em que
combino ir mostrar o carro para fechar negócio eis que tudo me corre mal.
enquadramento. o carro está em casa da minha mãe. as chaves estão comigo. as
pilhas das chaves estão em minha casa - já lá vamos. e eu já estou em casa da
minha mãe. é o dia de ir ao stand - sexta feira ao final do dia. bora, rápido outra
vez. estou em casa da minha mãe. abro o carro. o carro não abre. foda-se, a
chave está sem pilha. não acredito, eu tinha pilhas em casa. tive quase para as
trazer, mas achei que não ia precisar. mãe, temos de ir a minha casa buscar a
pilha para a chave. o carro não abre. vamos buscar as pilhas a minha casa no
carro da minha mãe. trânsito do caralhinho e eu em transe. ligo ao stand. olhe,
não vai acreditar no que me aconteceu. o carro não abre, estou a ir a minha
casa buscar a pilha. chego à porta de casa. mão na mala. mão nos bolsos. mão
nas cuecas, soutiã e sapatos. não tenho a chave. foda-se! onde é que está a
merda da chave? não acredito, não pode ser. toco para os vizinhos. ninguém
responde. só depois de me ir embora percebi que afinal estava a tocar para a
minha própria casa. vim embora. mãe, eu não acredito. não tenho a chave de
casa. e os vizinhos não estão (lol). temos que voltar. vamos comprar uma pilha
e vamos para o stand. voltamos para o trânsito do caralhinho. continua a ser
sexta feira ao final do dia. eu continuo em transe. ligo para o stand. olhe, eu
percebo que não acredite. mas eu ia buscar a pilha da chave do carro a casa e
não sei o que fiz à chave de casa. peço imensa desculpa. hoje o dia não me está
a correr nada bem. continuo em transe. onde vou comprar uma pilha agora?
colombo? esquece. trânsito parado. e agora? eles vão achar que eu estou a
gozar. continuo em transe. tou? olhe, hoje tudo me está a correr mal. não acho
boa ideia ir aí com o carro. de certeza que vou ter um acidente. é só o que
falta. e depois não vendo o carro. e é uma chatice. vou para casa. combinamos
amanhã, pode ser? pode. marcado no dia seguinte. acordo vou cedo para casa da
minha mãe. já com as pilhas novas. agora tem que funcionar. abro o carro.
foda-se. o carro não abre. começo a chorar. e agora? o carro está estragado.
ninguém o vai querer. a senhora do stand vai achar que estou a gozar com ela.
choro mais um bocadinho e ligo-lhe. tou? olhe, eu já não sei bem o que lhe
dizer e acredito que não acredite em mim, porque eu própria estou com
dificuldade em acreditar. mas o carro não liga. será a bateria? ela relaxa-me.
de certeza que é a bateria, chame a assistência. chamo a assistência. vem um
tipo impecável. põe o carro a funcionar, mas a bateria não carrega. vai de
comprar uma bateria nova. bateria comprada. o carro liga. o carro anda.
pasmo-me. agora choro mas de emoção. ele mexe. voltou a valorizar. e agora
respirem que voltamos a desacelerar o ritmo. porque estou cansada só de
escrever. o coração está a bater muito rápido. podem pousar as pipocas. vendi o
carro. vi-o ir embora e disse-lhe adeus até o perder de vista. estou triste e
contente. foi o meu primeiro carro e foi com ele que assinei os primeiros
papéis de adulta. pedi ao senhor do stand para o vender a gente boa. educada. e
com a cabeça no sítio. ele riu-se e disse que ia tentar. mentiu-me, mas foi uma
mentira boa. que dias intensos. beijinhos. não a vocês, mas ao meu sessenta vê á vinte. vou ter saudades.