olá bebés. sentiram a minha falta? pois bem, cá estamos. hoje vou apresentar-vos os meus vizinhos. vamos lá. desde que me mudei ganhei toda uma nova perspetiva do que é viver no centro de lisboa, mas com a sensação de estar no meio de uma aldeia. o que é antagonicamente muito engraçado. e era exatamente isto que procurava. sinto-me uma sortuda. e penso nisso muitas vezes. porque de facto nunca pensei que pudesse vir a encontrar isto que tanto idealizava, mas que achei ser uma causa perdida porque era impossível ter este ambiente bairrista no centro de lisboa sem ter de morar na sé, ou alfama - e isso, na verdade não me estava muito a apetecer. não é só do bairro que gosto, mas das pessoas que cá vivem. passei a ir à mercearia. antes contava pelos dedos das mãos a quantidade de vezes que tinha entrado numa mercearia. hoje vou quando falta qualquer coisa que não justifica uma ida ao supermercado. e vamos lá a ver uma coisa, não há salsa cheirosa como a da mercearia. vamos às pessoas. há de tudo. velhotes todos desmanchados da vida. gentes da minha idade. músicos. artistas. senhores com pinta de diretores de multinacionais. e, claro, a dona da mercearia. mas o que importa no meio disto tudo são os meus vizinhos. fátima e bernardo. rondam os seus setenta e alguns anos e adotaram-me como sua neta. nunca tive avôs e o senhor bernardo é o mais parecido que alguma vez tive. a fátima é daquelas senhoras que falam a gritar. dá conta de tudo o que se passa no bairro e depois vem-me contar - aos berros. é aquele género de senhora antiga que é muito querida e sempre pronta a ajudar, mas a falar é bruta comás cabras, sabem? o bernardo tem um tom de voz bastante mais agradável e é o senhor prestável. quando me mudei ajudou-me a montar móveis do IKEA, pendurou-me os cortinados, instalou o candeeiro do meu quarto. e quando ainda não tinha luz, pôs-me um holofote à porta de casa capaz de iluminar um estádio de futebol. a fátima e o bernardo andam sempre juntos e têm um papagaio com cinquenta anos que se chama carioca. sim, o bicho tem cinquenta anos. eles ainda hão de morrer os dois e o papagaio há de continuar por mais cinquenta a rir-se na cara deles. ora, o papagaio consegue berrar ainda mais alto que a velha. dá-lhe para berrar ao final do dia. parece que está a ser roubado ou a ter um ataque de fúria. e lá vão eles, à vez, mandá-lo calar e dar-lhe com o jornal nas trombas. eu deste lado rio-me. mas nem tudo são rosas. desde janeiro que lhes deu para fazerem coscorões a cada quinze dias. e é aqui que a porca torce o rabo. da primeira vez foi engraçado. olha que giro, coscorões sem ser no natal. disse-me ela que só faz fora de época. não sei porquê. nem quero saber. a questão é que desde janeiro vem-me bater à porta a cada quinze dias com um prato de coscorões. já lhes disse que me destroem a dieta e que não pode ser. mas é da maneira que fazem mais. e ainda gozam - olhe menina, é para a sua dieta, vá! tratam-me por menina. a modos que, gosto muito deles. são muito queridos. mas epa. já chega de coscorões meu. já comi mais coscorões este ano do que na minha vida toda. que nem sou fã de coscorões. mas estes dela até que são bons. só que. vá. meu. já chega. mas como ela não percebe acho que me vai continuar a oferecer coscorões o resto do ano. e como eu não os posso comer - não posso nem quero, que já não posso com coscorões à frente - acho que vou começar a fazer negócio. desleal, bem sei. mas já lhe disse para parar e a verdade é que a vejo chegar todas as semanas com novos pacotes de farinha e mais ovos. claro está. passado poucos dias lá vem ela. aos berros - vá menina, que agente não pode confiar nos bolos das pastelarias. agente sabe lá o que eles lá põem. assim sabemos, isto é só farinha, ovos e açúcar. não faz mal nenhum. e entretanto faço coleção dos pratos dos coscorões cá em casa. é que a última vez que me deram foi na semana passada. nem passaram quinze dias. ao menos que fizessem doces diferentes. fora a overdose de coscorões nada a acrescentar. aliás. minto. se tivesse um super poder fazia com que o tom de voz da velha baixasse consideravelmente. é que volta e meia dá-se-lhe o gás e fica a gritar-se toda durante demasiado tempo. deve ser quando ligam os netos. que berraria do demo. nessas alturas apetece-me dar-lhe com uma marreta nos cornos. fora isso, são os melhores vizinhos do mundo todo. são mesmo.